o mar me disse, você já é inteira.

Outro dia, olhando pro mar esse conselheiro silencioso que nunca me julga me peguei numa questão um tanto quanto antiga, mas com cara de nova. Aquele mesmo medo. Aquela mesma insegurança. Me perguntei se ainda seria capaz de amar de novo. De verdade. Sem escutar as vozes sabotadoras na minha cabeça. Não é que eu não tenha tentado. Depois do meu último término, conheci alguém, que em outra época, talvez eu tivesse me jogado de cabeça. Mas ali, naquele momento, eu entendi que não era sobre a pessoa. Era sobre mim. Eu não estava pronta. E mais do que isso eu tinha um compromisso comigo mesma de não entrar em outra relação por carência. Pela solidão gritando. Pelo eco de um vazio que queria ser preenchido a todo custo. Fui madura. Disse o que sentia. Falei que não dava. E a verdade é que foi libertador, mesmo que tenha doído. Porque a Bianca de hoje mesmo insegura, mesmo remendada não acredita mais em palavras bonitas, textos longos, presentes bem pensados. Eu acredito em atitudes. E é aí que começa o ponto mais profundo dessa história. Ontem, entre um gole de vinho e uma conversa de bar com uma amiga dessas que falam verdades como tapas carinhosos um beijo Lulu , ouvi algo que me atravessou, "as vezes, a gente escolhe ser a vítima." Aquilo me paralisou. Porque era verdade. Quantas vezes me coloquei nesse papel? Quantas vezes ensinei os outros a me amarem por pena? Por dor? Como se meu sofrimento fosse o que eu tinha de mais interessante pra oferecer. E você sabe o que acontece quando a gente se acostuma a ser amado pela nossa dor? A gente começa a se convencer de que fora dela, não somos dignos de amor. Às vezes, sem perceber, começamos a criar uma narrativa onde nossa dor vira identidade. Onde o que nos foi tirado, o que sofremos, o que aguentamos caladas... vira a moeda de troca emocional que usamos nas relações. É como se disséssemos, silenciosamente: "Olha tudo que eu passei... como você ousaria me machucar também?" "Olha a minha história, me ame porque eu já sofri demais." Parece justo. Parece até romântico como se o sofrimento nos tornasse automaticamente merecedores de cuidado, de zelo, de amor incondicional. Mas ai que está a armadilha quando o amor que recebemos é movido pela pena, ele não enxerga quem somos de verdade só vê a ferida. E por que fazemos isso? Porque é mais fácil. É mais "garantido". É mais rápido criar laços baseados na empatia pelo sofrimento do que construir um amor que nasce da admiração genuína, da convivência real, da essência. Também porque, muitas vezes, aprendemos que ser forte afasta. Mas ser frágil... aproxima. Então, sem perceber, viramos especialistas em contar nossas dores, nossas derrotas, nossos traumas. Nos vendemos como vitimas e assim, nos colocamos num papel de “coitada admirável” alguém que precisa ser salvo, cuidado, protegido. Mas sabe o que isso acaba gerando? Relações em que o outro se sente responsável pela sua felicidade. Relações em que você, mesmo sem querer, se diminui pra caber nesse lugar de eterna vítima. O amor que nasce da pena pode até parecer carinho, mas é desigual. Porque ele se alimenta do desequilíbrio. Ele não é escolha. É dever. Não é paixão. É compaixão mal direcionada. O que muda quando a gente para de se apresentar pela dor? Você para de mendigar afeto. Você para de contar sua história esperando aplausos, ou resgates. Você se permite ser mais do que aquilo que sofreu. E aí sim, o amor que chega... chega diferente. Chega limpo. Chega inteiro. Chega porque você é você com luz, com sombra, mas sem precisar justificar sua existência pela dor. Pensa comigo que tipo de amor é esse que só reconhece a gente quando estamos no chão? Amor de resgate? Amor de ambulância emocional? Se dar novas chances não significa esquecer os erros. Não é sobre se fingir de curada ou de perfeita. É sobre entender que eu não tenho obrigação nenhuma com ninguém além de mim mesma. Tá doendo? Tá. Mas tô quietinha. Porque o fardo é meu. E ele também é meu portal de cura. Escrevo isso olhando o mar. Uma das dádivas mais bonitas da natureza. E percebo que viver é isso você pode estar em qualquer lugar do mundo, com qualquer dor dentro de você, e ainda assim escolher viver. E é nessa escolha que mora a libertação. Porque quando você entende que não precisa de ninguém literalmente ninguém pra ser inteira, você começa a fazer as pazes com o espelho. E sabe o que é mais bonito disso tudo? O amor que vem depois dessa paz é outro. Não nasce da pena. Nasce da plenitude.

Bianca Torriani

8/9/20251 min ler