o grito que ninguém ouvia.

Hoje, eu quero te pedir uma coisa simples, mas essencial leia isso com o coração aberto. Porque o que eu vou dividir aqui não é fácil. Nunca foi. Sempre tratei com vocês de situações da minha vida que deixaram marcas profundas. Mas hoje, quero encarar de frente uma ferida que sangrou em silêncio por tempo demais e que, de certa forma, ainda sangra. E isso tem tudo a ver com uma palavra que parece pequena, mas carrega um mundo dentro dela, o respeito. Ou melhor, a falta dele. Eu lembro. Não como se fossem memórias passadas, distantes, borradas pelo tempo. Lembro como quem revive. Como quem sente tudo de novo, cena por cena, como se minha vida tivesse sido transformada em um filme de terror sem data para terminar. Lembro da primeira vez que ele levantou a mão. Lembro do som. Lembro da dor. Lembro do vazio. Mas mais do que isso, eu lembro do que veio depois. Da confusão. Do medo. Da culpa. Sim, culpa. Porque, naquele momento, o mundo se dividiu em dois dentro de mim o caminho da denúncia e o caminho da negação. E eu, como tantas outras, escolhi o segundo. Não por covardia, mas por sobrevivência. Perdoei o imperdoável, acreditei no impossível, e me convenci de que a culpa era minha. Dói dizer isso. Mas é verdade. Me disseram que eu era difícil de entender. Que eu não sabia deixar o outro confortável. Que eu provocava as reações. E eu acreditei. Engoli cada justificativa esfarrapada, cada desculpa estupida embalada em um falso amor. Coloquei curativos em feridas que ele mesmo abria. E, pior voltei. Sempre voltava. Na frente dos outros, quando tudo explodiu pela primeira vez, eu ainda achei que merecia. Você consegue imaginar o que é isso? Estar diante da sua própria humilhação pública e ainda sentir vergonha de você mesma? A vergonha, essa inimiga silenciosa, me manteve calada. Me impediu de contar. Me fez sorrir para fotos. Me forçou a viver uma mentira. Mesmo tendo enfrentado a dor insuperável de perder minha mãe, nunca usei isso como desculpa pra nada mas, dentro de mim, havia sempre uma voz cruel me perguntando se você sobreviveu a isso, como foi se permitir viver algo que também te destruía? Porque assumir que eu era uma vítima significava aceitar que eu era fraca. Frágil. Menor. E eu não queria ser nada disso. Então me calei. Me escondi. Me isolei dentro de mim mesma. E vivi esse inferno... em completo silêncio. Mas o silêncio cansa. Ele adoece. E, um dia, ele se tornou barulho demais dentro de mim. Transbordou. Porque nenhuma dor aceita ser ignorada por muito tempo. É por isso que estou aqui. Me expondo. Ignorando toda a vergonha que me foi imposta. Falando por mim. E por tantas outras que ainda vivem esse ciclo ou já viveram. Porque, sim, eu te entendo. Eu te reconheço. E é por isso que preciso te dizer uma coisa que ninguém me disse quando eu mais precisei ouvir Você não está louca. Você não está exagerando. E não está sozinha. Não importa quantas vezes tentaram te convencer do contrário. Não importa quantas vezes ele pediu desculpas com os olhos cheios de lágrimas e as mãos ainda sujas do que fez. Não importa quantas vezes você tentou justificar o injustificável só pra manter de pé aquilo que já tinha desmoronado faz tempo. A culpa nunca foi sua. Você não mereceu nenhum grito. Nenhuma humilhação. Nenhum empurrão. Nem o silêncio cruel e muito menos a ameaça sussurrada entre quatro paredes. Você é vítima de algo maior que a sua força mas não maior que a sua coragem. Porque eu sei, eu vi no meio da dor, você ainda tentou sorrir. Ainda cuidou dos outros. Ainda foi trabalhar. Fingiu que estava tudo bem. Isso não é fraqueza. Isso é resistência. Isso é coragem de outro tipo, a coragem de quem sobrevive. Mas sobreviver não é o fim. Sobreviver é o começo. O começo de uma nova história escrita por você, para você. Uma história em que você não precisa mais se calar. Em que não precisa mais se adaptar a um amor que machuca, a um lar que aprisiona, a um corpo que carrega marcas que não pediu pra ter. Você tem o direito de partir. De romper. De recomeçar. E, principalmente, tem o direito de se curar. No seu tempo, do seu jeito. Com as mãos estendidas de quem te entende, não com os dedos apontados de quem nunca viveu o que você viveu. Hoje eu grito. E meu grito não é de desespero é de libertação. Grito por mim. Grito por você. Grito por todas as que ainda estão presas em silêncios forçados, esperando que alguém veja o que elas não conseguem mais esconder. Se você estiver lendo isso e sentindo que estou falando com você, estou mesmo. Você merece amor que não machuca. Palavra que te acolhe. Toque que respeita. Presença que não assusta. E, acima de tudo, você merece ser ouvida. Então, quando estiver pronta… fale. Nem que seja sussurrando, chorando, tremendo. Fale. A sua voz pode ser baixa, mas carrega dentro dela um poder que ninguém mais tem o de começar, enfim, a escrever o fim desse ciclo. Com amor, 
Bianca para todas que, como eu, um dia acharam que o silêncio era o único caminho.

Bianca Torriani

8/6/20251 min ler